sexta-feira, 30 de agosto de 2013

DIFERENÇAS : COMO LIDAR COM ELAS EM SALA DE AULA?

 Que as diferenças existem todos nós sabemos, assim como o fato de que elas ajudam a nos definir dentro de um grupo. Mas fazer da diferença motivo para discriminar (no pior sentido da palavra) ou fazer dela sinônimo de desigualdade, talvez seja um dos maiores erros da humanidade. E não adianta tentar justificar dizendo que até no dicionário as palavras diferente e desigual são sinônimas, porque a questão está no que o uso da palavra carrega: atitudes repletas de preconceito e exclusão são alguns dos exemplos.
No fórum Discutindo perguntamos: “Quem tem interesse em transformar as pessoas de diferentes em desiguais? ” E, para refletir sobre como os professores lidam com as diferenças em sala de aula, consultamos algumas especialistas em educação inclusiva para falar a respeito.
Se pensarmos que vivemos em um país que tem um dos maiores níveis de desigualdade social do mundo, “nos conscientizamos de que já evidenciamos uma realidade em que o diferente é enfaticamente considerado desigual. Portanto, é mais que necessário que repensemos nossas ações e até que ponto estamos valorizando os diferentes” é o que aconselha Sonia do Nascimento Santos.
Diferentes todos nós somos (e viva a diversidade!); mesmo assim, não deixamos de julgar e ultrapassar a individualidade dos outros. É aí, então, que a diferença passa a ser considerada negativa. Mas, na opinião de muitos, diferenças e semelhanças podem ser trabalhadas desde cedo, seja em casa, seja na escola. “A minha luta é essa. Gostaria que todas as pessoas, independente da cor, raça, sexo, pudessem ser vistas como seres humanos. Acho que temos que trabalhar em sala de aula para que isso se torne realidade. Os profissionais da educação devem estar preparados para dar sua contribuição para o desenvolvimento da humanidade”, diz Dearlinda Mendes de Souza.
E, apesar de as definições de diferente e desigual serem semelhantes no papel, é importante enfatizar as distinções entre elas – o que pouco se vê na prática. Oswaldo Oliveira destaca como boa parte da sociedade lida com diferenças e desigualdades: “ser diferente merece tratamento diferente; e pior, ser desigual significa ser inferior. Um homem é diferente de uma mulher, mas ele não é pior nem melhor – nem ela. Ser desigual significa que existe desnível entre os dois, o que não é verdade. Os alunos são diferentes, merecem atenção diferente, mas não são melhores ou piores uns que os outros”.
Contudo, quem pensa no diferente de maneira preconceituosa? Ao analisar com mais rigor o perfil de nossa sociedade, poderíamos dizer que a maioria de nós pensa e age dessa forma, não apenas a classe dominante (como diria boa parte das pessoas). “Convém salientar que essa classe dominante está muito mais próxima de nós. Acatamos e difundimos uma cultura, um hábito de desvalorizar o que não está em nossos padrões. Nós tornamos desigual a diferença. Nós, enquanto sociedade, desvalorizamos os diferentes; estes, por sua vez, aceitam o papel que lhes é imposto. Não se muda a sociedade sem antes mudar seus indivíduos. Olhemos para trás: nossa herança histórica nos mostra muito do por que sermos tão desiguais”, lembra Evandro Francisco Marques Vargas.
Voltando a falar do papel da escola e colocando-a como uma das maiores influências na construção do ser humano, destacamos o que disse Ivete Silva: “a questão não é transformar os diferentes em desiguais, e sim colocar profissionais preparados para trabalhar. O que nós vemos na escola são crianças que precisam de acompanhamento e não têm. Elas praticamente são deixadas de lado porque não conseguem acompanhar a turma, e esta precisa avançar”.

Aprendendo com as diferenças

Mas como é possível adaptar um ambiente de estudo ao aluno com necessidades especiais e ainda fazer disso um aprendizado para os outros? “Quando um aluno com deficiência convive com outros sem deficiência, os primeiros estimulam que os demais vivenciem novos valores humanos nas relações sociais. Quando uma turma tem alunos com altas habilidades, estes tendem a estimular a curiosidade dos demais. Para que isso ocorra, é preciso que toda a equipe pedagógica esteja atenta para valorizar cada uma das situações de aprendizagem. O que deve ser destacado é o que há de positivo em cada relação interpessoal. Dificuldades sempre existem quando não conhecemos, e educação é processo de construção de conhecimento”, afirma Cristina Delou, psicóloga, professora associada da Faculdade de Educação da UFF e responsável pela área de Educação Especial e Inclusiva da Fundação Cecierj.
Dificuldades todos têm. “Mesmo a criança considerada normal tem dificuldades várias, que devem ser trabalhadas. Além disso, todos têm o que aprender e o que ensinar, e todos ganham com a convivência”, diz a professora e psicóloga Giuseppa Maria Luiza Scrza, diretora da Associação Iluminare, que apoia crianças e adolescentes com dificuldade de aprendizagem e oferece cursos para profissionais interessados em trabalhar com esse público. Assim, o aprender com as diferenças pode se estender para a vida fora da sala de aula. “A diversidade possibilita uma visão mais plural do mundo social. O trabalho deve estar na direção de um convívio saudável em qualquer grupo: o exercício da tolerância, da cooperação, do respeito mútuo e da busca de avanços na aprendizagem”, completa Cibele Fernandes, psicóloga escolar e neuropsicóloga.

Eliminando a discriminação em sala de aula

Nem sempre esse convívio é tão fácil e livre de pré-conceitos. É importante lembrar que “a discriminação dentro da escola existe não só em relação ao estudante com necessidades especiais, mas também em relação a negros, pessoas fora da faixa etária para a série cursada, alunos com dificuldade de aprendizagem e homossexuais, entre outros; todos que não são maioria sofrem discriminação, que, em algumas vezes, é clara e, em outras, disfarçada. Na maioria das vezes, o que conta é simplesmente o fato de serem diferentes da maioria”, diz Adriana Oliveira Bernardes, professora da rede estadual, mestre e doutoranda em Ciências Naturais pela UENF e colaboradora da revista Educação Pública.
E como o educador deve agir em sala de aula? “Ele deve trabalhar a discriminação de maneira geral; como esta discriminação é originada nas diferenças, é necessário mostrar que diferenças são normais nos indivíduos da nossa sociedade”, complementa Adriana
Na opinião de Cristina Delou, “o educador deve dialogar com toda a turma sobre a diversidade humana, a importância de cada pessoa em nossas vidas, o que elas nos ensinam e o que nós podemos ensinar a elas”. Para Cibele, “é preciso partir de si mesmo. Perceber seus preconceitos e dificuldades com o diferente. Pensar, estudar e refletir. Só depois se pode, com a comunidade envolvida no processo educacional daquele grupo, traçar estratégias para a convivência social participativa, responsável e cooperativa”.
Há educadores que defendem a ideia de que o estudante diferente deve ser tratado como igual, “até porque a deficiência traz algumas limitações, mas não impede o indivíduo de viver como qualquer outro. Do ponto de vista de recursos a serem utilizados em sala de aula (como material inclusivo), os professores devem adequá-los para que tanto o aluno que chamamos normal quanto aquele que possui deficiência possa utilizá-lo”. É o que avalia Adriana.
Além disso, vale destacar a singularidade e as necessidades educacionais de cada indivíduo. Por exemplo: “o aluno cego tem especificidades que o aluno vidente não tem. Se a bola da aula de Educação Física não tiver guizo dentro, os alunos cegos não poderão jogar futebol; se a bola for apropriada, todos poderão participar do time”, conta Cristina. Então, “não se trata de igualdade, mas de equidade. Cada um deve ser atendido nas suas necessidades específicas e ser membro de um grupo que tem suas regras de convívio e de trabalho”, conclui Cibele.

O que seria uma escola inclusiva ideal?

Educação ideal é aquela que atende a todos e, numa época em que muito se fala em inclusão, vai se concretizando a educação inclusiva, que entende e trabalha a diversidade dos alunos. É importante falar que “uma escola inclusiva não é aquela que apenas aceita toda diversidade de alunos, mas sim aquela que, recebendo esses alunos, encontra soluções para que eles participem do processo educativo de forma plena, desenvolvendo todo o seu potencial”, explica Adriana.
E o que seria uma escola inclusiva ideal? Para Cibele, “é a que trabalha com a diversidade, tendo clareza de suas limitações e possibilidades reais de trabalho com as diferentes dificuldades na aprendizagem, tanto no que diz respeito à competência profissional como quanto à infraestrutura. Seria fundamental também estudo (grupo de estudos e discussão de casos) e atualização permanente do grupo de profissionais. Há muitos avanços em relação aos conhecimentos sobre os diferentes transtornos que podem prejudicar o processo de aprendizagem e a escolaridade. Os educadores precisam se apropriar desses conhecimentos que outras áreas trazem para a Pedagogia, a fim de não ficar no achismo”.
Pensando na nossa realidade, o que podemos ter como mais próximo do ideal de escola inclusiva? O que temos de fato? Cibele complementa: “ainda estamos no começo de um processo de conhecimento do que é de fato o trabalho pedagógico com as diferenças. Acredito que haja experiências isoladas mais organizadas nesse sentido, porém ainda há pouca troca. Em maio deste ano, o Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro realizou um seminário sobre dificuldades na aprendizagem e no comportamento, com várias palestras e uma publicação. Creio que iniciativas como essa são importantíssimas e  deveriam ser mais frequentes”. 

O que é preciso para ser um profissional da educação inclusiva

Relembrando a importância de um profissional bem preparado, Cristina Delou orienta: “o educador deve ser uma pessoa que busca na formação continuada seu crescimento profissional. A partir da autocrítica em relação ao que lhe falta para garantir que todos os alunos tenham acesso aos saberes escolares, o educador precisa buscar, em cursos de capacitação e pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado), a formação necessária para o exercício profissional com alunos especiais. Contudo, os saberes escolares ainda não foram instituídos, porque a sociedade brasileira não é inclusiva como um todo; logo, não possui história e nem cultura de formação de professores voltada para a educação inclusiva. Sozinho, mesmo o educador bem intencionado pode muito pouco. Ele precisa de universidades que pesquisem novas tecnologias e metodologias de ensino e que ofereçam cursos de Libras (para alunos surdos), Braile, sorobã, orientação e mobilidade (para os cegos), Libras tátil e tadoma (para os surdo-cegos), comunicação ampliada e alternativa (para aqueles com deficiência física), programa de enriquecimento escolar e  aceleração de estudos (para os que têm altas habilidades/superdotação), tecnologias da informação e da comunicação, adaptações curriculares, plano individual de ensino, atendimento educacional especializado (para todos) e terminalidade específica (para alunos com deficiências graves e múltiplas), entre outros. Os educadores precisam de gestores educacionais preocupados com essa formação e que apontem as demandas de seus alunos”.

E o que dizer a quem exclui a inclusão? 

Ainda encontramos muitos profissionais que não entendem a inclusão como uma necessidade e “ordem natural” da educação. Que conselhos dar a um profissional que ainda exclui a inclusão da sua metodologia de ensino? “Vivemos hoje em um novo paradigma e temos que nos adequar a esses novos ares. O salário não nos permite reciclar, nem mesmo existem ações governamentais que nos incentivem a participar de programas de capacitação. Entretanto, o papel do professor no processo inclusivo é fundamental, e, apesar de não depender apenas dele para que as escolas se tornem inclusivas, o papel que ele exerce é muito importante, principalmente se puder entender a importância de um professor pesquisador dentro da escola e se tornar este profissional, exercendo sua prática a partir da reflexão e de acordo com a realidade da escola”, diz Adriana. Além disso, na opinião de Cristina, é preciso ter “consciência de que a negação de tudo que os alunos especiais precisam expressa a negligência com que eles vêm sendo tratados na escola, contribuindo para o aumento da violência social. Não se faz educação inclusiva sem formação continuada”.

Políticas de inclusão hoje e amanhã

Segundo Cristina, “hoje, as  políticas de inclusão ratificam que a educação é direito humano e que todos devem ter acesso aos níveis mais elevados de ensino, de acordo com as capacidades de cada um. Segundo a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, os alunos sujeitos à inclusão são os alunos com deficiências (intelectual, visual, auditiva, surdo-cegueira, física e múltiplas), transtornos globais do desenvolvimento (casos do espectro do autismo e transtornos psicóticos, entre outros) e altas habilidades/superdotação”.
Para Adriana, “nós não temos escolas realmente inclusivas; as escolas que temos não lidam bem sequer com a dificuldade de aprendizagem de alunos considerados normais, não existe um plano de ação para ele, ele não é uma preocupação para a escola no que concerne a seu aprendizado. O que a escola faz é colocar nele próprio toda a culpa de seu fracasso. Logo, esse aluno também é excluído. A escola inclusiva deve oferecer oportunidades para esse tipo de aluno”. Ela ressalta que a inclusão depende do esforço coletivo de escola, professores, funcionários, alunos e pais de alunos.
Quais são as perspectivas para o futuro próximo da educação inclusiva? “As políticas de inclusão
no Brasil são datadas e têm como base a legislação. Elas tiveram início com a Constituição de 1988, que no seu artigo 208 garantiu o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. Depois, vieram a Declaração de Jomtien (1990), a de Salamanca (1994) e a LDB (1996). Desde então, os documentos vêm regulamentando e normatizando as práticas a serem implantadas pelos sistemas de ensino, escolas e formação de professores. Logo, concluo que é um processo de construção de uma nova sociedade. É a possibilidade de, no futuro, o Brasil contar com uma sociedade mais tolerante em relação às diferenças. É a certeza de que as pessoas historicamente excluídas poderão contar com a escola para a construção de sua cidadania”, conclui Cristina.