quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Aula de física e inclusão


Pensar práticas inclusivas durante a formação de professores para o ensino médio. Esta é a proposta do e-book Saberes docentes para a inclusão do aluno com deficiência visual em aulas de física, escrito pelo professor Eder Pires de Camargo, da Faculdade de Ciências da Unesp de Ilha Solteira, interior de São Paulo. No livro, que é gratuito, o autor expõe que é possível ensinar muitos conceitos físicos independentemente da visão.

Em treze meses de trabalho para o pós-doutorado, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Camargo estudou o processo de planejamento das atividades de ensino de física em salas de aula que contemplam alunos com e sem deficiência visual. Para a pesquisa, ele acompanhou, em 2005, as aulas de futuros professores, estudantes de licenciatura em física da Unesp, em classes regulares do Colégio Técnico Industrial da cidade de Bauru, também no interior paulista.

As primeiras análises feitas pelo autor mostraram quais são as principais dificuldades apresentadas pelos licenciandos nas salas que abrangem alunos com e sem deficiência visual concomitantemente. Ele enumera quatro: a relação direta que os futuros professores fazem entre conhecer fenômenos físicos e ver esses fenômenos; o desconhecimento da pessoa com deficiência visual; a atribuição de responsabilidades, ou seja, declarar que não é possível planejar as atividades porque não sente que foi preparado para isso na universidade ou porque a escola não fornece a infraestrutura necessária para a inclusão; a não superação de procedimentos tradicionais de aprendizagem.

Após discorrer sobre as especificidades práticas do ensino de óptica, eletromagnetismo, mecânica, termologia e física moderna, Camargo faz recomendações aos docentes. Algumas delas são: saber sobre a história visual do aluno, como, por exemplo, se ele possui resíduo visual, se é cego desde o nascimento etc.; saber que significados vinculados às representações visuais sempre podem ser registrados e vinculados a outro tipo de percepção (tátil ou auditiva); saber que existem fenômenos físicos que não podem ser observados empiricamente e, portanto, compreendê-los não exige visão e outros sentidos; saber trabalhar a linguagem matemática; saber promover a interação entre alunos com e sem a deficiência.

O download gratuito da obra pode ser feito no site http://www.editoraunesp.com.br/catalogo.asp.

Fonte: Revista Educação

Depressão em crianças e racismo

Um levantamento realizado por um grupo de pesquisadores da Universidade de Melbourne, na Austrália, encontrou 461 estudos que apontam a relação entre discriminação racial e ocorrências de depressão e ansiedade em crianças e adolescentes. O relatório, publicado em outubro no periódico Social Science & Medicine, analisou estudos conduzidos em sua maioria nos Estados Unidos, com jovens entre 12 e 18 anos. Segundo o levantamento, os grupos étnicos mais representados nas pesquisas são afro-americanos, latinos e asiáticos.

Os tipos de discriminação mais presentes nesses estudos são experiências interpessoais e não racismo institucional ou sistêmico. Segundo o texto, o levantamento comprova um problema que precisa ser combatido na sociedade, na escola e nas comunidades para melhorar a saúde infantojuvenil, uma vez que as crianças que passam por essas experiências têm mais propensão a baixa autoestima, baixa resiliência e piores níveis de bem-estar. Ainda de acordo com o relatório, as mães que sofrem racismo durante a gestação têm mais dificuldades no parto.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Dicionário poético

“Adulto: pessoa que em toda coisa que fala, fala primeiro dela mesma”. Essa definição, precisa e direta como um tapa, é do menino Andrés Felipe Bedoya, de 8 anos, parte de um projeto do professor colombiano Javier Naranjo, pai de Laura, que recolheu 500 definições escritas ou ditas por crianças e publicadas no livro Casa de las Estrellas – El Universo Contado por los Niños. “Casa das estrelas” foi como um dos alunos definiu o universo. Lançado em 1999 e relançado na Feira Internacional do Livro em Bogotá em abril, o livro traz frases como “Água: transparência que se pode tomar”. E foi com o assombro de quem não se dava conta de como as crianças veem o mundo de modo poético que os pais brasileiros conheceram o “dicionário de crianças”.

As definições caíram no Facebook a partir do lançamento da nova edição e viralizaram imediatamente. Javier, que não tem perfil em nenhuma rede social, ficou sabendo da repercussão quando os jornalistas brasileiros começaram a procurá-lo. O livro chega às livrarias do Brasil pela editora Foz ainda neste ano.

A relação de Javier com o nosso idioma vem de longa data. Um de seus livros de poemas se chama Orvalho, palavra escolhida pela sonoridade. “O português é uma língua que canta”.

Para ele, a poesia que emana das frases ditas pelas crianças se originam desse encantamento que os mais novos ainda são capazes de sentir diante do mundo, por terem o olhar ainda não contaminado. Tomara que a gente possa deixar as crianças serem crianças e aprendamos a ver com olhos livres como elas.

Qual das definições mais te surpreendeu?
Esse trabalho foi feito ao longo de quase 10 anos, então são inúmeras as definições. Mas acho que a definição de adulto como uma pessoa que fala sempre de si mesma antes de falar do outro é a mais marcante, porque expressa a forma como nós nos portamos.

Como você fazia para anotar? As crianças escreviam ou você gravava?
Algumas crianças eram bem pequenas, com 2 ou 3 anos, então essas eu gravava e transcrevia da mesma forma como a definição havia sido feita. Com as crianças maiores, dava o tempo de uma aula para que eles pensassem a respeito, para que escrevessem suas próprias definições. O engraçado era que algumas crianças encararam isso como lição de casa, levaram para os pais e colocaram as respostas do dicionário. Então eu explicava que aquilo não era uma obrigação. Não havia certo nem errado. Só queria ouvir o que elas tinham a dizer. Não dava um prazo para que eles entregassem nada. Deixava a cargo deles.

E você, como definiria uma criança?
Acho que a criança é alguém conectado a uma essência primordial. O adulto é justamente o contrário, alguém que se desconectou de sua essência, perdeu a união com o mundo original.

Por que você acha que as crianças estão mais próximas do poético que nós?
O filósofo francês Gaston Bachelard nos fala da permanência de um núcleo de infância na alma humana. A criança vive a realidade de uma maneira absolutamente reveladora. Se a linguagem é a “casa do ser”, segundo o filósofo alemão Heidegger, as crianças vivem em uma outra casa, da qual nós, adultos, fomos expulsos. Essa maneira particular que as crianças têm de viver só é possível por seu vínculo com a “anima mundi”, a alma do mundo, com o assombro, com o poético que permeia tudo.

Por que os que vivem nas áreas rurais estão mais próximos do poético?
As crianças da área rural têm uma certa inocência, um olhar mais limpo, sujeitas à vertigem da vida urbana, a uma maior saturação dos sentidos e a múltiplas “aprendizagens” nas quais uma educação errada desagrega e atomiza em vez de integrar, coletar, irmanar.

Por que o poético contido nas definições das crianças nos causa tanto espanto?
Disse o poeta argentino Roberto Juarroz que as pessoas não leem poesia por medo de ver as coisas nuas. Ele escreveu: “A poesia é uma forma de despertar. É uma forma de abrir os olhos, de entendermos o que todas as correntes de filosofia e sabedoria disseram ao longo dos séculos: não basta nascer uma vez, é preciso voltar a abrir os olhos, é preciso nascer de novo”. A poesia é a palavra mais elevada, mais profunda, e as crianças estão mais próximas dela. Há uma frase muito citada de Rilke [o poeta alemão Rainer Maria Rilke], mas que é necessário citar de novo: “A infância é a pátria do homem”.

Em sua opinião, o poético ainda pode sobreviver no mundo corrido em que vivemos?
Sim, o poético ainda sobrevive, apesar das vãs tentativas de ignorá-lo e do “ruído” de todo tipo que nos rodeia habitualmente. É claro que não falamos apenas de palavras; elas só às vezes dão conta da poesia que ocupa a vida. A poesia é necessária porque reconhece e encontra outra dimensão do ser para que vivamos nossos dias de uma maneira mais atenta, mais plena.

Você acha que o dicionário fez sucesso por estarmos tão afastados do poético que não percebíamos o quanto sentimos falta dele?
Acho que o dicionário nos sacode para que não esqueçamos essa condição do humano que as crianças nos trazem com sua linguagem poderosa. Essas vozes plenas de sabedoria nos recordam a nós mesmos e nos dizem: “não se afastem, não se percam de seu íntimo pertencimento ao todo”.

Você tem filhos?
Sim, tenho uma filha de 23 anos, a Laura, que atualmente mora em Buenos Aires, na Argentina, estuda desenho gráfico na Universidade de Palermo e trabalha numa revista.

Como escolheu o nome de sua filha?
Eu queria ter um menino, que iria se chamar Pablo. Em nossas conversas, Pablo ia e vinha. Não que eu não gostasse de meninas, mas pensava que poderia contar a um menino o que é ser menino e compartilhar coisas comuns. Mas menina... Eu não sabia como era ser menina!

Ficava assustado com a possibilidade de ter uma filha. Quando minha mulher fez o ultrassom e me disse “é uma menina”, fiquei mudo e passei dias digerindo a informação… Uma noite, sonhei que recebia minha filha com muita alegria e acordei reconciliado com a ideia de ter uma menina. Tínhamos pensado em dois nomes para ela: Isabel e Laura. Quando saímos da sala de parto, depois que eu cortei o cordão umbilical, uma amiga que nos esperava saudou minha filha: “Oi, Laura…” E assim foi como Laura, que agora tem 23 anos, recebeu seu nome.

O que você lia para ela?
Eu lia para Laura desde quando ela estava na barriga da mãe. Lia poemas que não necessariamente eram para crianças, colocava músicas para ela ouvir, contos infantis também. Mas nunca me preocupei se aquele determinado tipo de literatura era para a idade dela. Porque acho que isso não existe. Não importa se um livro é para uma criança de 2 a 4 anos ou de 5 a 8, porque ela vai ter sua forma de interpretar aquilo que vai de acordo com sua idade. E isso é o mais interessante ao ler para uma criança, saber como ela irá entender aquilo que você está passando para ela.

Seu pai lia muito?
Meu pai é o filho mais velho de uma família de camponeses que emigrou forçadamente para a cidade por causa da violência endêmica que atinge a Colômbia há mais de 60 anos. Só frequentou algumas séries do ensino fundamental, porque precisou abandonar a escola para ajudar a sustentar sua família, trabalhando praticamente desde criança. Ele conta que um professor lhe emprestava livros e foi assim que começou a ler, o que se tornou um hábito diário.

Ele lia para você?
Lembro de uma situação marcante. Enxergava muito pouco com o olho esquerdo e tinha um grave estrabismo e tive de operar com 10 ou 11 anos. Depois da operação, ainda sob efeito da anestesia, caí da cama e passei a ter fortes alucinações. Vi um esqueleto que, com meus gritos, desapareceu, e achava que tudo era real...

Essas visões duraram algum tempo. Meu pai deixava a luz do corredor acesa e lia para mim até eu cair no sono. Mas bastava ele se afastar que eu acordava e não o deixava ir.

Você tinha livros em casa? 
Quando eu era pequeno, tínhamos apenas quatro livros em casa, porque éramos muito pobres e não podíamos comprá-los, então recorríamos a bibliotecas. Havia uma pequena coleção da editora argentina Tor, que publicava uns livrinhos cor de laranja, de filosofia e pensamento, com textos de Sêneca, Bergson, Aristóteles, Balmes. Gostava da textura, da cor das páginas, do cheiro daqueles livros. Eu os pegava e tentava ler alguma coisa. Claro que não entendia nada. Mas ver meu pai embebido nesses livrinhos me levava a tentar encontrar neles isso que era tão poderoso que o levava a outro mundo. Ainda cedo meu pai fez uma carteirinha da biblioteca pública para mim e eu comecei a conhecer todos os escritores de aventuras que conseguiam me dar outros corpos, outros nomes e outras terras para viver.

Tem algum livro que marcou sua infância?
Não me lembro propriamente de livros de poemas, mas me recordo muito dos livros de aventura: Emilio Salgari, Júlio Verne, Jack London e Mark Twain. Não destaco nenhum livro em particular. A poesia veio depois, quando conheci um livro que me tocou muito pelo poder de suas palavras inflamadas: Diário de Um Retorno ao País Natal (Editora Edusp), do poeta martinicano Aime Césaire.

Sua mãe lia histórias para você? Quais?
Minha mãe só lia a revista Seleções, que ela devorava, além dos jornais do dia. Mas ela era capaz de ler também outras coisas: como as plantas e o jardim. E, para entender essa linguagem, há que deixar a pressa e reduzir nosso desassossego habitual, porque esses vegetais “caminham” em outra velocidade... Tenho certeza de que aprendemos muito cuidando do verde, dos vegetais, da natureza. Eles nos inspiram e ensinam. Isso foi minha mãe quem me ensinou, desde a infância.

Como imagina que seu livro vai ser recebido no Brasil?
Em muitos países, inclusive no Brasil, foi publicado um número incrível de reportagens e entrevistas a partir da última edição do livro que apresentamos na Feira do Livro de Bogotá. Não faço parte de nenhuma rede social, mas me contam que o dicionário foi muito comentado por meio delas. O livro realmente gerou um grande interesse. Acredito que a reação ao livro no Brasil, em português, essa língua que canta, vai ser muito boa, e tomara que isso mostre aos céticos que somente a condição de ser criança, independentemente de país e classe social, pode nos convidar a tentar limpar a visão e contemplar o mundo com o assombro do recém-criado a cada dia e agradecer por estarmos vivos (apesar de tantas circunstâncias terríveis ou graças a elas).

O que você acha do contato das crianças com a tecnologia?
Parece que as crianças que nascem hoje já têm um chip, pois já sabem como agir diante dos computadores, programas… Não dá pra negarmos que elas se aproximem das tecnologias. O que tenho notado é que algumas crianças não entendem mais a caligrafia própria de cada pessoa. Aquela letra que traz sua personalidade parece ser algo em extinção. As letras agora são iguais. Acho que as duas coisas têm de coexistir.

As crianças de hoje são diferentes?
Estamos vivendo num tempo em que as crianças são pequenos tiranos, como se todos ao redor tivessem de obedecer suas vontades. Isso me preocupa. Os pais já não sabem muito bem como lidar com seus filhos. E por outro lado alguns professores também já não sabem como lidar com algumas crianças. A questão da leitura, por exemplo, vira uma obrigatoriedade sempre associada às notas, desempenho, pouco se fala da leitura como um prazer.

E como disciplinar as crianças, então?
Para mim, a disciplina deve ser por sedução e não regras. Quando você apresenta um livro para uma criança, pode fazê-lo de várias formas, mostrando o mundo inteiro que está por vir caso ela leia. As crianças são atraídas por isso.

Família é tudo?
Como disse uma criança em uma definição, família é tudo, tudo, tudo.Ou como disse outra criança: famíliaé o sol, as plantas, a natureza... Família é mesmo tudo isso, uma totalidade.

Como aproveitar melhor a infância com os filhos?
Escutando seus filhos. E escutar nem sempre é fácil. Não nos damos conta do que as crianças têm a dizer e não perguntamos. Hoje, tenho uma ótima relação com a minha filha, que mora em Buenos Aires, e vejo que isso é fruto de como foi nosso relacionamento na infância. O fato de ela morar longe, de saber construir sua vida, mostra isso. Dei asas para ela, deixei que ela aprendesse a se virar e ela conseguiu. E é isso que falta nas crianças de hoje em dia, todas parecem estar muito supervisionadas pelos adultos, como se não pudessem fazer ou pensar algo sem a presença dos pais.

Fonte: Revista Pais e Filhos