A quantidade de crianças que se comporta de maneira diferente do que é considerado padrão e, por isso, é medicada, ou a de adolescentes, que toma a mesma droga para aliviar os sintomas causados pelos desafios da vida é um sinal de alerta. Hora de refletir!
Por Gisela Wajskop - atualizada em 02/11/2015 14h43
Todo mundo conhece alguém que toma Ritalina – indicada como tratamento eficaz para transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDHA). O filho da vizinha, o sobrinho da amiga, o amigo do filho e até o próprio filho... Ela também tem sido amplamente usada por estudantes que buscam melhor desempenho em provas e concursos. Pudemos constatar, recentemente, em função do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – que envolveu mais de 7 milhões de adolescentes e jovens brasileiros – que a chamada “pílula da inteligência” parece ser a bola da vez.
Diversos programas de TV, matérias em blogs e na imprensa escrita anunciaram o consumo excessivo e em massa de Ritalina, considerado como a salvação para a ansiedade de última hora. Aqui em casa mesmo, cheguei a ouvir conversas acaloradas sobre a existência de medicamentos que, magicamente, transformam a angústia que antecede testes e provas em hiperconcentração que potencializa a inteligência e a memória adolescente construída ao longo da vida estudantil.
No entanto, uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostrou que o medicamento não beneficia a atenção, a memória e as funções executivas (capacidades de planejar e executar tarefas) em jovens sem o transtorno (e mesmo assim questiona a parcela que o tem!). Reportagens nas redes de TV mostraram adolescentes que experimentaram o revertério da droga, ficando até com mais sono após seu consumo. Essa situação lembrou-me minha adolescência, quando uns e outros buscavam em fármacos ou soluções naturais a ajuda necessária para a calma e a concentração imaginada. Perdiam um tempo incrível com isso, enquanto outros, na contramão da opção pela magia, colocavam todas as energias na tarefa, usando do sofrimento frente à realidade uma ferramenta útil contra o desafio colocado.

Incrível! Mais uma vez, lembrei-me da minha experiência. Dessa vez, da infância, com uns 9 anos, quando não me mantinha dois minutos sentada na cadeira após a realização – com sucesso! – de qualquer tarefa sugerida pela professora. Num desses dias, cansada de chamar a atenção e de me enviar de volta ao lugar, armou-se de algumas tachinhas e chamou-me de volta. Qual não foi minha surpresa quando, deliciando-me com o que considerei uma brincadeira, ter sido presa por duas tachinhas na cadeira, que mantiveram as pontas da sainha escolar azul por, talvez, cinco minutos mais sentada.
A atividade docente, lembro-me bem da doçura e inteligência dessa professora, foi usada para chamar a minha atenção, não do desrespeito às normas, mas da minha capacidade de concentração. Nunca fui diagnosticada com TDHA, nem sequer fui medicada. Naquele tempo, a hiperatividade, a concentração e os interesses múltiplos eram considerados sinais de inteligência divergente e criativa. Alguns pais e muitas escolas a consideravam e, ao pregar tachinhas em saias escolares, buscavam ajudar as crianças a tomarem consciência de características pessoais de maneira a controlá-las para o melhor aproveitamento delas.
A história das tachinhas transformou-se em um mantra para mim: busco a disciplina e a concentração quando realizo qualquer tarefa. Faço isso também quando meus filhos têm alguma dificuldade: peço que pensem sobre ela como um desafio e a enfrentem como um dado de realidade. Os resultados são sempre positivos.
Minha indignação com a comercialização da Ritalina é imensa, seja pela medicalização de crianças que pensam, agem e brincam fora da curva e fora da caixa, seja pela medicalização do sofrimento, da ansiedade e da angústia em relação a desafios enfrentados pelos adolescentes. Divergir e sofrer, para mim, é só o começo de uma vida intensa, na qual algumas relações e tarefas são interessantes e outras nem tanto. Mais ainda, acredito que o sucesso frente aos desafios acontece menos na calma alucinógena de certos medicamentos e mais na ansiedade e atropelos da vida real.
fonte:http://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Educar-para-a-Vida/noticia/2015/11/ritalina-sera-que-precisa-mesmo.html