terça-feira, 3 de novembro de 2015

Ritalina, será que precisa mesmo?

A quantidade de crianças que se comporta de maneira diferente do que é considerado padrão e, por isso, é medicada, ou a de adolescentes, que toma a mesma droga para aliviar os sintomas causados pelos desafios da vida é um sinal de alerta. Hora de refletir!

Por Gisela Wajskop - atualizada em 02/11/2015 14h43
Todo mundo conhece alguém que toma Ritalina – indicada como tratamento eficaz para transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDHA). O filho da vizinha, o sobrinho da amiga, o amigo do filho e até o próprio filho... Ela também tem sido amplamente usada por estudantes que buscam melhor desempenho em provas e concursos. Pudemos constatar, recentemente, em função do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – que envolveu mais de 7 milhões de adolescentes e jovens brasileiros – que a chamada “pílula da inteligência” parece ser a bola da vez.
Diversos programas de TV, matérias em blogs e na imprensa escrita anunciaram o consumo excessivo e em massa de Ritalina, considerado como a salvação para a ansiedade de última hora. Aqui em casa mesmo, cheguei a ouvir conversas acaloradas sobre a existência de medicamentos que, magicamente, transformam a angústia que antecede testes e provas em hiperconcentração que potencializa a inteligência e a memória adolescente construída ao longo da vida estudantil.
No entanto, uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostrou que o medicamento não beneficia a atenção, a memória e as funções executivas (capacidades de planejar e executar tarefas) em jovens sem o transtorno (e mesmo assim questiona a parcela que o tem!). Reportagens nas redes de TV mostraram adolescentes que experimentaram o revertério da droga, ficando até com mais sono após seu consumo. Essa situação lembrou-me minha adolescência, quando uns e outros buscavam em fármacos ou soluções naturais a ajuda necessária para a calma e a concentração imaginada. Perdiam um tempo incrível com isso, enquanto outros, na contramão da opção pela magia, colocavam todas as energias na tarefa, usando do sofrimento frente à realidade uma ferramenta útil contra o desafio colocado.
Com isso em mente, fui pesquisar como se diagnostica uma criança com TDHA. A coisa mais impressionante que encontrei foi uma tabela sugerida aos pais por uma associação qualquer para que eles pudessem ter uma ideia prévia da doença dos filhos. As questões iam da constatação simples de que a “criança não consegue prestar muita atenção a detalhes ou comete erros por descuido nos trabalhos da escola ou tarefas” até se a criança “sai do lugar na sala de aula ou em outras situações em que se espera que fique sentado”.
Incrível! Mais uma vez, lembrei-me da minha experiência. Dessa vez, da infância, com uns 9 anos, quando não me mantinha dois minutos sentada na cadeira após a realização – com sucesso! – de qualquer tarefa sugerida pela professora. Num desses dias, cansada de chamar a atenção e de me enviar de volta ao lugar, armou-se de algumas tachinhas e chamou-me de volta. Qual não foi minha surpresa quando, deliciando-me com o que considerei uma brincadeira, ter sido presa por duas tachinhas na cadeira, que mantiveram as pontas da sainha escolar azul por, talvez, cinco minutos mais sentada.
A atividade docente, lembro-me bem da doçura e inteligência dessa professora, foi usada para chamar a minha atenção, não do desrespeito às normas, mas da minha capacidade de concentração. Nunca fui diagnosticada com TDHA, nem sequer fui medicada. Naquele tempo, a hiperatividade, a concentração e os interesses múltiplos eram considerados sinais de inteligência divergente e criativa. Alguns pais e muitas escolas a consideravam e, ao pregar tachinhas em saias escolares, buscavam ajudar as crianças a tomarem consciência de características pessoais de maneira a controlá-las para o melhor aproveitamento delas.
A história das tachinhas transformou-se em um mantra para mim: busco a disciplina e a concentração quando realizo qualquer tarefa. Faço isso também quando meus filhos têm alguma dificuldade: peço que pensem sobre ela como um desafio e a enfrentem como um dado de realidade. Os resultados são sempre positivos.
Minha indignação com a comercialização da Ritalina é imensa, seja pela medicalização de crianças que pensam, agem e brincam fora da curva e fora da caixa, seja pela medicalização do sofrimento, da ansiedade e da angústia em relação a desafios enfrentados pelos adolescentes. Divergir e sofrer, para mim, é só o começo de uma vida intensa, na qual algumas relações e tarefas são interessantes e outras nem tanto. Mais ainda, acredito que o sucesso frente aos desafios acontece menos na calma alucinógena de certos medicamentos e mais na ansiedade e atropelos da vida real.
fonte:http://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Educar-para-a-Vida/noticia/2015/11/ritalina-sera-que-precisa-mesmo.html